terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Fechado para balanço:.

A bagagem era pesada, as alças cederam, quase no fim. Além do que o vento arrastou pra longe, deixou cair o que devia ficar ali mesmo. Só vê a linha de chegada o que sempre esteve e se manteve próximo, de braços abertos e atentos ao que vier, nas pegadas um bilhete definindo o adeus.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Trovões:.

Um elo sem continuidade, como os arco-íris que nunca terminam.
Batem à porta e assim te acordam, assim devagar o estrondo da porta. Vagando sem saber por onde, largam as chaves dentro do cinzeiro,
lá onde tudo se deixa enferrujar.

Chegam sem despedida, _________ saem sem cumprimentar, sem bom dia,
simplesmente saem através das ruas, sem parar nas esquinas,

atravessando o sonoro eco ou ronco ou qualquer dissonancia.

rouco.

Entre o farol e o final que reverbera,
e o amarelo ao sol que segue a espera

Razão de ser:.

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

(Paulo Leminski)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Someday

"Life, you know, it's not something you can put on a jar and forget by the sidewalk. Though they may say or think many other things about you, but you have no jar anymore.

You're now free even of your own old thoughts.
You have learned that you can forget.

So this is it, son."

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sobreposição:.

Para ouvir ao som de Scenic World - Beirut

É de manhã cedo. O sol vai cobrir as janelas e eu quero estar prestes a ter certeza de que nunca é tarde.
É sempre de manhã cedo; abro as cortinas e recebo os primeiros raios de sol, eu abro um sorriso, preparo o café, me preparo de peito aberto ao sorriso que dura até à tarde.
É cedo, é tão cedo que não vejo a luz. Ainda é cedo, é cedo para vê-la.
Hoje eu espero mais um pouco ou pelo tempo que for.
Sempre amanhece e a luz sempre esteve ali, mas eu dormi por tanto tempo, olhei a oeste através dos óculos escuros, deixei os olhos entreabertos, mas não o suficiente - era medo da claridade que se aproximara.

Num piscar de olhos o sol a pino; entre o silêncio o sol se põe.
Como areia, guardo o calor. Como areia também escorre entre os dedos penso que
talvez seja tarde demais.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

sábado, 30 de outubro de 2010

Sujeitos:.

Meus melhores desconhecidos andam por aí. Eles estão à solta, sentindo nada, só a chuva que continua caindo, enquanto eles caminham encharcados de nada. Meus melhores desconhecidos não olham nos olhos, não acenam ou dizem olá, mas sempre há um reflexo nos vidros de uma vitrine ou janela, a colher de chá mostrando o que não se sabe bem quem é.

Tenho melhores estranhos também. Na verdade não os tenho, não creio em pertencer, então apenas sei, até por onde andam vez em quando, mas evito saber. Meus melhores estranhos, ou melhor, os estranhos a mim são cativantes, mas não o suficiente para uma aproximação.
São os que sentem a chuva, estendem as mãos tentando contê-la e assistem o tempo todo, o temporal, escorrer entre os dedos. São dos que se sente saudade, mas não se quer, então a saudade também escorre pelo temporal. Eles estão do lado de fora e ao sair, apesar dos conselhos a não conversar com estranhos, teimo em olhar com estranheza de volta, já os conheço então.

sábado, 16 de outubro de 2010

Correnteza:.

Eu?

Eu... Nada.

Só morrer no mar.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Capaz:.

Espere e não respire

até o momento em que eu comente
a ansiedade que não passa
que se passa por contente,
e passa rente, por pirraça.

Espere ou me inspire.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Monólogo:.


Para ler ao som de Coldplay - Fix You.

Na primeira vez em que eu te perdi, senti o céu rasgando e roubando a luz e tudo o que estava guardado dentro de mim. Não o bastante, levou o que eu tinha sob os pés enquanto todos continuaram caminhando da mesma forma.
Esse mesmo céu fez da minha luz algumas lâmpadas aquela noite, mas por ter te perdido já era tão pouca a luz que as lâmpadas só iluminavam como as luzes de natal, distantes como estrelas no escuro. Ao invés de contá-las eu tentei enumerar quantas vezes naquele dia silencioso eu havia dito que te amava, por causa da vontade estranha que tive de dizer várias vezes como se você precisasse ter certeza, como se eu estivesse prestes a nunca mais poder te dizer isso. Eu perdi as contas tentando enumerar desde o primeiro eu-amo-você no café da manhã, quando você riu sem entender por quê eu não dizia só bom-dia como sempre e logo disse eu-também-filha.
As luzes não duraram muito tempo então o dia teve que amanhecer, e vi que ainda havia chão onde os outros pisavam e eu também conseguia caminhar, só estava embaçado, o mar que fiz por onde andei sem enxergar muito bem devido aos olhos inchados.

Eu andei o dia inteiro sem saber se tinha te perdido ou se era mais uma ilusão do dia anterior que havia feito par com o seguinte. Foi então que anoiteceu e me levaram de volta àquela casa confusa com as nossas coisas, mas completamente vazia de mim e de você. As roupas ainda estavam no varal, tão secas e ásperas quanto o enjôo que senti quando enxerguei o chão distante e a vertigem que causava. Ali eu fui retomando o passo onde havia varrido algumas semanas seguintes, mas não consegui contá-las, também não consegui contar a ninguém que tinha te perdido então fiquei em silêncio dentro do silêncio da casa até conseguir dormir e sonhei que você estava bem, em um lugar desconhecido. Seu rosto não estava mais cansado e a cada sorriso o lugar se iluminava. Dali soube que a perda era só minha, talvez você precisasse sorrir pra outras pessoas um dia, apesar de eu achar que seu sorriso era sempre pra mim.
Nas seguintes vezes em que eu te perdi, as roupas no varal também perderam a identidade, o perfume fugiu pela janela e eu não tive coragem de abrir o vidrinho pra te lembrar. Tudo era mais delicado, até a dor de ter um céu costurado e a necessidade de ficar sob o sol pra espantar a frieza que se alojou por uns dias no meu sangue.

Consegui contar a alguém o que acontecera, depois a outro alguém e outro até que se transformasse em história, uma fatalidade de um personagem em terceira pessoa, embora eu continue te perdendo de vista todos os dias, cada dia um pouco mais. Quando procuro, te encontro num álbum, sempre comigo sorrindo ao lado mesmo nas fotos que já estão desaparecendo no tempo. Eu me encontro em você e dou continuidade à história que construímos desde sempre nas nossas conversas que duravam horas e horas, dessa vez sem o interlocutor, meu personagem principal.

sábado, 9 de outubro de 2010

Chuva:.

O silêncio interrompido bate à porta com o que eu já esqueci de sentir.
Os pés quebrando uma folha seca, o café esfriando, a última gota. Nossas plantas nascendo, morrendo, nascendo. Não era eu quem cuidava das plantas, uma ou outra recebiam meus cuidados e se recuperavam, não muito rápido, às vezes não por muito tempo, mas era necessario pisar em uma das folhas secas na sala para percebê-las.

Como em toda distração a vida passa na surdina, os cuidados se atravessam, amores nascem, morrem, nascem e ficam. Quebramos alguns vínculos pela falta, e o que sucede a falta é o sim e o não da certeza de ter existido dedicação e cuidado, de toda sinceridade amenizando as dúvidas.

A cada silêncio interrompido tenho mais e mais certeza de que a quebra de qualquer parede é feita através do que permanece concreto, tomado de sinceridade. Deixando que os ventos amenizem. Sentir a simplicidade e permanecer é condicional onde não se pode recolher os cacos de vida, de vidro.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

1.046.527',78"

Existe uma hora em que tudo se percebe. Não tudo, o suficiente.

Contudo os dias se distanciam entre esse momento de percepção os outros em que nos encontramos, se bem que... Nem nos encontramos mais. Nem nós, nem o acaso, nada nem ninguém nos faz coincidir numa esquina num dia de chuva, na papelaria, onde menos se espera. Não tenho sequer notícias, então repouso. De repente um amigo supõe que eu deva saber e me conta que te viu por aí chamando um táxi saindo de um bar cantando a própria ebriedade e tropeçando feliz no próprio erro. Talvez seja inconsciente ou algo parecido. E nós, nós nos parecíamos um pouco. Era pouco o que parecíamos em essência, mas costumavam me perguntar qual era nosso grau de parentesco. Eu ria e até acreditei, mas era pouco e logo a crença se transformou em lucidez.

Eu ri novamente um riso torto, igual ao que te vi sorrindo pra mim naqueles últimos tempos em que conversamos sem ter muito o que dizer. Eu não bebo e mesmo assim tropeço; acabei acordando em um dia em que nós ainda acreditávamos, ou eu acreditava que você também, mas era pouco, tão pouco que eu me esqueci de como funciona essa coisa de acreditar.

sábado, 25 de setembro de 2010

So:.

Let's burn down some of your castles, princess.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

res(sem)sentimento:.

Para ler ao som de Strawberry Fields Forever


Amanhã - hoje -, eu vou jurar que não foi culpa do café, que a insônia é só minha e que devem deixar o pote de vidro repleto do instantâneo no lugar. A ausência do sono, do pensamento, das resoluções.

A ausência toda é só minha, agora, já que tudo que pode ser amado pode se perder no tempo, em minutos de macarrão instantâneo. Do agosto só sobrou o ácido da perda corroendo os nossos planos, o sabor amargo é do café, eu sei. Setembro chegou e eu nem percebi, vou despertar quando já tiver ido embora, quando amanhã for primavera e quando formos cuidar do jardim. "wake me up when september ends", entende?
Continuo respirando fundo e contando até dez, esperando no relógio os ponteiros se encontrarem, pra ver se eu me encontro no meio do que sobrou de nós além das fotos na sala, das lembranças, das piadinhas internas e daquela certeza embaçada que eu quase tive de que tudo ia dar certo dali adiante. Pra ver como é que o conformismo se instala e acalma essa espera de pensar que entre um tique-taque e outro o telefone vai tocar e do outro lado da linha não vou ouvir parente banco estranhos gente e mais gente perguntando o que eu já cansei de dizer. Eu já nem atendo mais, finjo que saí, é, desculpa.

Os dias seguem, apesar de setembro, nós continuamos cuidando do jardim. Plantei uma árvore - um pé de morango, vale né? -, que é pra lembrar de quando tocava aquela ou qualquer outra dos Beatles e ele cantava comigo, depois me contava sobre os amigos que foram a Woodstock e voltaram pirados enquanto ele se formava na Pensilvania, dizia num tom moralista que eu não devia ir a shows pra gostar de música, medo de que eu 'pirasse numas', 'despirocasse' - eram exatamente esses termos que ele usava -, eu sorria, dizia que nunca, ele falava sobre o que lembrava, pra eu nunca esquecer dele, eu prometendo sempre que ainda tinha muito tempo pela frente pra construirmos as lembranças, pedindo pra afastar o cinzeiro, tossindo e reclamando da fumaça, ele apagava o cigarro, até o seguinte. Até o fim. A nossa cumplicidade vencida pela cumplicidade de um vício imbecil, cor pulmonale.

Faz um mês, os dias vão correr aos anos. Tento preencher o vazio lembrando de cada detalhe.
Teve uma filha que adorava ler o que ele escrevia, plantou várias árvores, viu crescer. Nunca esqueci, nunca vou esquecer. Nunca mais a espera de pensar que entre um tique-taque e outro o telefone vai tocar e do outro lado da linha vou ouvir a voz firme ganhar doçura e dizer "Bu?".

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Quinta, 12:.

Porque sexta-feira 13 é pros fracos.
No meio dessa bagunça toda algo bom vai acontecer pra compensar.

Mas eu ainda gosto de agosto.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cadarços:.

Preciso comprar cadarços pretos.
Pros velhos tênis pretos.
Que tinham cadarços brancos.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Desapego:.

As ideias que a gente perde por estar na rua, trabalhando ou dentro do metrô, sem papel, sem como anotar, tudo bem. Elas vão embora pela janela.
As que a gente teve, anotou, revisou com todo carinho e deu pra alguém e só esse alguém tem, foram embora do mesmo jeito, mas existem em algum lugar.

com alguém, pela janela.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Direção:.

Onde é, exatamente, que fica o lugar no qual a gente perde um pouco do que era antes?

Nunca fui a mais distraída ou menos sagaz, tenho meu silêncio mas não nego a necessidade de palavras, inteiras, sem meias. Meias palavras, pés no chão.
Não é sobre a essência que falo, mas onde está o foco da transformação? Em que lugar fica o casulo dessa clareza irrefutável?

É preciso mudar, mas e a mudança, vem de onde?
Não sei, não preciso saber, hoje.
As diferenças caminham num ritmo isolado, que só uma diferença compreende. Mas uma diferença não passa de substantivo, sem compreensão do que se é. As diferenças caminham, isso é certo.

É preciso ser indiferente e perspicaz, hora e outra.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Das Cartas a Ninguém:.

Ontem comecei a me desintoxicar, mentalmente.
Às quatro da tarde, tomando café, escrevi tudo o que já nos aconteceu ou aconteceria num bloco de papel. Gastei quase metade dele, senti muito pelas árvores, reli e joguei fora, amassado e completamente anônimo. Não quero que saibam dessa estória que nunca existiu.

Quando anoiteceu, após o jantar, senti uma dorzinha de cabeça e me concentrei em coisas boas, lá veio você surgir num pensamento e eu fui beber água. A dor de cabeça aumentou, agressiva, a tevê na sala me incomodava, coloquei uma blusa velha – que me trouxe lembranças -, deitei na cama arrumada e ali fiquei até o telefone tocar, era cedo, muito cedo ainda e eu não quis atendê-lo. Alguém me deu um Tylenol e um copo d’água, estavam no criado-mudo quando despertei as dez e voltei ao sono.

Acordei suando de madrugada, às três, com sede e assustada. Sonhei que você se despedia dizendo que ia para Israel. Mais uma vez. Tenho sonhado há uma semana, dia sim dia não. Tonta e febril esperei passar a sensação de ter lhe visto, tomei três copos de água bem gelada e demorei até cair no sono. Perdi a manhã inteira, acordei com um restinho da dor aguda que logo desapareceu.

Espero que esteja bem e não pense literalmente em Israel, seja lá o que isso quer dizer mesmo em um sonho. Não estarei mais presente, mesmo distante na sua vida, como no fundo de uma platéia, como cartas a ninguém.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

7 dias:.


Houve uma renovação rápida e eficaz, um salto de uma rotina de nunca mais. Com o adeus a rotina no prédio espelhado, retomo somente os cadernos finalizando um processo tão certo quanto tantos outros saltos no escuro, em busca de conhecimento. Aprofundar-se no que se sabe brevemente ou aprender a ser breve.
Inclusive, já falei demais todo esse tempo e dizer a verdade custa caro - a dívida é interna, paga somente com o coração. Meu silêncio barato é tudo que devo, sem consentimento ou satisfações.

Nossos tetos são de vidro e eles já sabem demais.
Retornando a casa e ao bege das paredes, percebo que desde que passei a observá-las não uso mais bege, o tédio fica no cabide.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Tornar-se, em essência, o que se é:

infinito.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

mas é que eu adiei demais.

Pelo final do domingo escolhi sangrar, mas em silêncio. Escolhi um esmalte rubro-intenso e minhas unhas choraram sobre a semana derramada.

São dez graus de manhã.
Eu sinto algo pulsar contra as paredes que fiz pra mim e ainda não aprendi a desfazer.
Já fui solta, fugitiva, irredutível. Isso foi reduzindo aos poucos, desde a tarde em que o sol queimou o céu de agosto e nunca mais voltou a refletir daquele jeito, naqueles prédios.
Hoje sou eu quem vê através dos vidros espelhados e nem graça tem, de lá não fujo, permaneço na cadeira enquanto o céu se abre e só saio quando escurece.

Na verdade, não é pelo final do domingo a cor de sangue. É pelo fim do completo, do inteiro e pelo começo por uma busca de algo parecido com intensidade.