segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Sabiá:.

Passarinho vem e avisa: quatro da manhã. Nem precisa levantar, mas são quatro da manhã.
Canta, assovia solto na pitangueira perto da janela.
Canta, assovia leve quando ainda é abafado, sereno, os postes acesos.
Canta algazarra, cinco da manhã. Vai, levanta, são cinco do final da noite.
E desperta em música, me extingue o alarme. E desperta alarmante, toca o bom dia, vai, volta, tropeça no galho, assovia alaranjado. Desperto no café da manhã puro, amargo no vidro, me adoça o dia, assovio de volta sabe-se lá a quem.
Vai, sabiá-laranjeira, assovia meu sorriso, canta que eu te conto; é amor que não cabe mais em mim.
Leva um pouco, conta também, e extingue esse silêncio alarmante. Canta, vai e voa leve quando ainda é sereno perto da janela. Voa e volta, traga algo que me caiba, traga alguém que adoce a vida. Em qualquer começo de algazarra, num sorriso puro, vem o aviso abafado, os postes imóveis.


Canta qualquer hora à quem sirva essa nossa serenidade.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Lego:.

Separei as peças. Separei uma por uma, por tamanho. Separei aos montes, por cor.
Separei o pó. A caixa antiga. A prateleira.
Separei um lugar vago.

Playmobil sorriu pra mim?

domingo, 17 de agosto de 2008

Com açúcar, com afeto:.

Agosto é mês de se despedir do inverno, de céu azul riscado de vento, daquele ventinho gelado tão bom.
Mês que parece ter vestido um cachecol fofinho.
Se o nome não fosse por causa do tal Augusto, daria até pra arriscar que é um tempo pra fazer tudo conforme sua própria receita, alguma daquelas que vêm com 'açúcar à gosto' no final.
Em agosto é sempre dia de fazer alguma coisa nova, organizar gavetas, fazer real um plano guardado, ler aquele livro, ver aqueles filmes, passear em qualquer rua, qualquer hora, ser mais gentil por nada, ser menos sutil por tudo.

Não tem problema se não der pra entender meu agosto que quer abraçar o mundo.
É só pensar num inverno tardio montando a primavera.

É uma questão de s[e]air feliz por aí.

-auto-falantes: Sixpense None the Richer - There She Goes
Kooks - She Mover In Her Own Way:.

sábado, 16 de agosto de 2008

Segundo:.

"...-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre."

"...Sorriu olhando em volta, muito bem, parabéns, aqui estamos.

Não que estivesse triste, só não sentia mais nada..."


[De Caio Fernando Abreu em "O dia em que Júpiter encontrou Saturno"]

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Baunilha:.

Sentada na cadeira vermelha, lia um livro de capa de sapatilhas fotografadas e dava uma espiada por cima das folhas. Tentava prestar atenção no que a perguntavam e não conseguia, esperando a fumaça sair de vez do copinho deixado na mesa, esse que não era igual ao da foto no cartaz. Talvez o perfume fosse o mesmo, suave e pouco forte, mas a foto não tinha cheiro, só tinha espuma e creme no copo de vidro. O copo de plástico branco, saído da máquina dos expressos, tava ali se evaporando. Na distração com a história, a conversa e um barulho chato de liquidificador, pensou que era o copo todo que ia embora pra virar nuvem, mas era só o leite do café de baunilha que parecia um espiral girando, rodando e rodando sozinho, num jeito aconchegante de ser espuma. Ainda tinha um fim de esperança na moça do tempo, que prometeu amenidade, deixando que se enganasse e estivesse ali, com arrepios e mangas e calça curtas assistindo o copo fervendo, naquele ar gelado. As mãos também estavam frias, mas não importava por ser coisa sempre comum, independente dos treze ou trinta graus. Pelo menos ninguém perguntara se estava morta, se era esquimó ou se fazia malabarismo com cubos de gelo. Um segundo foi o bastante pra lembrar do que uma senhorinha de olhos claros na rua lhe disse, ao cumprimentar, quando criança e ficou gravado: “mão fria, coração quente. não é?” Enquanto lia o texto precedido por um trecho de música;

Gosto muito de te ver, leãozinho
Caminhando sob o sol.
Gosto muito de você, leãozinho.
Para desentristecer, leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você
No caminho.


Já questionava aquela frase, que nunca saía da cabeça quando apoiava as mãos vazias no rosto e logo se repelia por não suportar a frieza da ponta dos dedos, havia um tempo. Olhou o cinza do lado de fora, o creme sépia desfazendo o calor tão avesso à mão, ensaiando a coragem de tocar a base de plástico desprotegida; mão era fria, sem feriados ou fins de semana, mas quanto ao coração já não estava tão certa. O costume de estar em constante cinnamonmotion - como gosta de chamar seu bem-estar na maioria dos dias - tinha lhe presenteado com uma sutileza imensa, que a deixava leve e dispersa dos melodramas seus e de todos. Quando pensava em coração só lembrava daquele frappuccino, de outro cartaz, que tinha um desenhado na espuma tão parecida com a de seu expresso. Imaginava uma colherzinha desfiando o coração de chantilly que estaria boiando na memória de uma xícara e se deu conta que, se o seu estivesse estampado como aquele e, no lugar da pequena xícara estivesse ela, não haveria colher alguma. Nem de plástico, nem de metal.
Ela não dava colher de chá ao coração. O que tinha consigo era um rastro de romantismo passado, doce que nem aquele nome no seu copo esfumaçado, Vanilla, que só de ouvir falar era delicado. Romantismo passado, dobradinho e guardado numa gaveta de armário, visível apenas a ela quando em um devaneio e outro viu a vida coincidindo com harmonia que parecia sair de um livro de contos, mas não daquele que lia no instante. O amor tinha migrado dali, essa sensação não era recente e a de platonismo, uma colher oxidada, era extinta tal qual o açúcar em seus copos de café.
As mãos geladas foram, devagar, encontrar o copo, hesitantes. Não havia mais fumaça na bebida, nem era embaçado o modo de sentir, o tempo parecia ter amenizado. Fechou o livro depois de ler o final de “Ausência”, distraída pelas frases curtas e, quando sentiu o sabor derretendo aos poucos entre os dentes, aquecendo as mãos ao passear o copo na mesa, dançando com o aroma, teve certeza: quando amasse novamente, faria com que fosse assim.
Teria um sentimento completo, repleto em delicadeza, nitidez, e aconchego. Sabor baunilha.

Tomei aos poucos o expresso, a espuma, me despedindo do copo e guardei o livro, voltei à conversa dos colegas.
Tomei meu rumo, a aula começaria às dez.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Rascunho de anteano:.

Sempre que termino de ler um livro, tento sair caçando detalhes característicos de cada personagem, dou uma boa observada na descrição – embora prefira decifrar a discrição –, até conseguir formar o dito cujo ali dentro da memória (mesmo quando me aparece uma garça cor néon), em pedaços. Então tenho vontade de perguntar ao autor o que ele acha que pensa o personagem, qual seria o próximo passo se não aquele, o que ele pensou naquela fração de segundo em que narrou um suspiro, cadê o motivo, e as partículas de pó que foram levantadas pelo suspiro?
Após espremer peça por peça, canso. Respiro fundo – e sim, partículas de pó voam ao redor, olho devagar acima, o teto branco... Ainda bem que não sou uma história sendo escrita – e volto a pensar, pensar.

Livrada do livro², comecei a encaixar idéias. Umas e outras desconexas fugiram pela janela, desenhadas na fumaça de um incenso doce, doces, e desaparecendo num reflexo de céu que me invadia através do vidro. Outra me apareceu quando quase entristeci por deixar as anteriores escaparem; procurei umas folhas de caderno, de rascunho, de cartão, e acabei com uns rascunhos de quando, nos intervalos de aulas, ia à biblioteca ou ficava num canto alto do pátio olhando a tarde passar, caderno na mão, os papéis soltos dentro dele, jogando uns pensamentos na tinta pra depois ver se alguma coisa fazia sentido.
Rascunhos de faz-tempo ou sem-data, uns versos copiados, uns parágrafos corridos, um romantismo em que quase não me vejo e que aquela garotinha imediatista de corte de cabelo estranho se empenhava em ter sempre um pouco nos bolsos enquanto falava. Tão reticente... Nesses rabiscos reparei numa coragem meio inconseqüente, na eloqüência da minha pressa de criança, narrada pra ninguém.
Ah, ela sim era eu, agosto e agosto atrás.

Em três destes encontrei uma opinião, uma questão e três pontinhos:
- O (ir)real sentido encontrado é algo doado em nós, por nós, e refletido ao redor...
- O cabível é, na maioria das vezes, tão monótono quanto uma idéia profana de aceitação sem questionamento. Já o que nos cabe através das idéias monótonas serem questionadas é imprescindível...
-Escrevo com uma metade-alma, foco nos olhos e me organizo uns sentimentos; absorvendo aos pulmões um tudo afora e fazendo o inverso caber em si do avesso...

Não lembro se isso foi uma reflexão pós-aula, a partir de algum texto, ou se foi coisa de momento cabeça-dura. Talvez nem tenha escrito tudo no mesmo dia-mês, são folhas diferentes.

Dou um refratário cheio de brócolis com queijo branco gratinado pra quem compreender aquilo ali em menos de dez minutos. :)

[¹. Anteontem, sabe? Então, pra mim tem anteano e ante-anteano também. Vale pra ano passado, retrasado, coisa e tal:.]
[². Livro de bolso, “O Diário Roubado” de Régine Deforges. Dessa história eu esperava até menos detalhes descritivos, mas o drama social ao cubo é interessante:.]

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

The Bucket List:.

"Have no fear for givin' in.
Have no fear for giving over.
You better know that in the end
It's better to say too much, than never to say what you need to say again.

Even if your hands are shaking,
And your faith is broken.
Even as the eyes are closin',

Do it with a heart wide open."

[Say (What you need to say) - John Mayer]

Ainda sensibilizada pelo drama “Antes de Partir”, decidi pôr uns comentários aqui.

Achei o roteiro um tanto previsível, a mensagem comum, os personagens um pouco menos detalhados do que eu esperava... Porém, se
Justin Zackham o escreveu tendo como objetivo, além do entretenimento, fazer refletir, valorizar, pensar um pouquinho, nem que por um segundo, numa sala de cinema escura ou mesmo na poltrona, o fez com precisão.

“The Bucket List”, nome original, segue a linha fictícia da maioria dos filmes enquanto propõe pausas de questionamento existencial, válidas a qualquer que se permita uma pequena avaliação. Nos pontos fantasiosos ficam os acontecimentos premeditados com suas conseqüências não menos esperadas, estes que na lista inicial do Carter (Morgan Freeman) são até, eu diria, pedestres freqüentes de quem assiste. O lugar pra se perder – ou melhor, pra se encontrar – fica por conta da pergunta clara e de bom slogan: você já encontrou sua felicidade? Que, dependendo da opinião de cada, abre um leque de possibilidades de uma simplicidade mirabolante (contraditória sim, por que não?), rondando entre o que você poderia fazer pra perceber que sua busca só termina no instante em que percebe a presença do que procura numa linha de tempo constante que só é vista com um esforço a mais e a preocupação em encontrar o seu algo.
Já o bônus do dvd, um clipe com a música do trecho postado ali, só estabelece ainda mais a ligação entre necessidade e busca do quase irremediável vazio dos cantos, rotina afora. “Say what you have to say" – and get your peace, your anything.

Agora, com os olhos já secos e menos rudolph-rena-de-nariz-vermelho, paro por aqui, revisando e extraindo aos poucos um pouco de tudo que vi.