quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Baunilha:.

Sentada na cadeira vermelha, lia um livro de capa de sapatilhas fotografadas e dava uma espiada por cima das folhas. Tentava prestar atenção no que a perguntavam e não conseguia, esperando a fumaça sair de vez do copinho deixado na mesa, esse que não era igual ao da foto no cartaz. Talvez o perfume fosse o mesmo, suave e pouco forte, mas a foto não tinha cheiro, só tinha espuma e creme no copo de vidro. O copo de plástico branco, saído da máquina dos expressos, tava ali se evaporando. Na distração com a história, a conversa e um barulho chato de liquidificador, pensou que era o copo todo que ia embora pra virar nuvem, mas era só o leite do café de baunilha que parecia um espiral girando, rodando e rodando sozinho, num jeito aconchegante de ser espuma. Ainda tinha um fim de esperança na moça do tempo, que prometeu amenidade, deixando que se enganasse e estivesse ali, com arrepios e mangas e calça curtas assistindo o copo fervendo, naquele ar gelado. As mãos também estavam frias, mas não importava por ser coisa sempre comum, independente dos treze ou trinta graus. Pelo menos ninguém perguntara se estava morta, se era esquimó ou se fazia malabarismo com cubos de gelo. Um segundo foi o bastante pra lembrar do que uma senhorinha de olhos claros na rua lhe disse, ao cumprimentar, quando criança e ficou gravado: “mão fria, coração quente. não é?” Enquanto lia o texto precedido por um trecho de música;

Gosto muito de te ver, leãozinho
Caminhando sob o sol.
Gosto muito de você, leãozinho.
Para desentristecer, leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você
No caminho.


Já questionava aquela frase, que nunca saía da cabeça quando apoiava as mãos vazias no rosto e logo se repelia por não suportar a frieza da ponta dos dedos, havia um tempo. Olhou o cinza do lado de fora, o creme sépia desfazendo o calor tão avesso à mão, ensaiando a coragem de tocar a base de plástico desprotegida; mão era fria, sem feriados ou fins de semana, mas quanto ao coração já não estava tão certa. O costume de estar em constante cinnamonmotion - como gosta de chamar seu bem-estar na maioria dos dias - tinha lhe presenteado com uma sutileza imensa, que a deixava leve e dispersa dos melodramas seus e de todos. Quando pensava em coração só lembrava daquele frappuccino, de outro cartaz, que tinha um desenhado na espuma tão parecida com a de seu expresso. Imaginava uma colherzinha desfiando o coração de chantilly que estaria boiando na memória de uma xícara e se deu conta que, se o seu estivesse estampado como aquele e, no lugar da pequena xícara estivesse ela, não haveria colher alguma. Nem de plástico, nem de metal.
Ela não dava colher de chá ao coração. O que tinha consigo era um rastro de romantismo passado, doce que nem aquele nome no seu copo esfumaçado, Vanilla, que só de ouvir falar era delicado. Romantismo passado, dobradinho e guardado numa gaveta de armário, visível apenas a ela quando em um devaneio e outro viu a vida coincidindo com harmonia que parecia sair de um livro de contos, mas não daquele que lia no instante. O amor tinha migrado dali, essa sensação não era recente e a de platonismo, uma colher oxidada, era extinta tal qual o açúcar em seus copos de café.
As mãos geladas foram, devagar, encontrar o copo, hesitantes. Não havia mais fumaça na bebida, nem era embaçado o modo de sentir, o tempo parecia ter amenizado. Fechou o livro depois de ler o final de “Ausência”, distraída pelas frases curtas e, quando sentiu o sabor derretendo aos poucos entre os dentes, aquecendo as mãos ao passear o copo na mesa, dançando com o aroma, teve certeza: quando amasse novamente, faria com que fosse assim.
Teria um sentimento completo, repleto em delicadeza, nitidez, e aconchego. Sabor baunilha.

Tomei aos poucos o expresso, a espuma, me despedindo do copo e guardei o livro, voltei à conversa dos colegas.
Tomei meu rumo, a aula começaria às dez.