sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Surge:.

Já era tarde demais pra deixar de lado as listas de organização feitas na tarde anterior. Resolvi pensar dizendo, gravando, nas páginas restantes de um caderno velho o que passava por ali. Enquanto transferia a rotina ao real, me espalhava pelos cantos nas roupas fora do armário, na blusa que usei e depois de pendurar no cabide ficou desinteressante, contrária ao meu conceito mal formado de beleza onde não cabia tanto laranja. Cada peça apontava um traço e eu com o lápis, rasgávamos no final das primeiras páginas listras por onde pudessem passar os rabiscos, listras daquela camiseta manchada de dias ensolarados em luzes artificiais. O resto era frio, onde queria vermelho encontrava bege. Quis um amarelo que completasse a seqüência da aquarela, mas amarelo poucas vezes me caiu bem.

Assim que organizei metade, arrastando uns e outros cabides, um jeans aposentado caiu desdobrado no chão e logo agarrei pra evitar o pó dos pés, do tênis, recém chegados da rua. No bolso, alguma coisa querendo sair piscou pra mim; era laranja, o plástico da nota fiscal da lavanderia onde a calça ficara hospedada por causa de uma mancha, sem coisa fiscal nenhuma dentro, só uma nota de guardanapo, estampado pelo mesmo lugar onde a mancha foi feita: “Checou o horário e levantou. Deixou o copo sobre a mesa, chamou a moça, desolada. Lembrou das chaves, antes que atravessasse a porta de vidro. Olhou novamente, nos olhamos avessas à chuva. Sorriu pra mim e esqueceu o amor do lado de dentro com seu guarda-chuva, foi lavar a alma.”

Não fosse a letra, diria que o papel não era meu, até lembrar o episódio as gavetas estavam perfeitamente alinhadas. Demorou pouco até rever a moça e sua tristeza encantadora voltando à memória distante do café na mesa de madeira, pingando sobre a calça, quando me distraí pensando que as chaves seriam abandonadas, como sua expressão de solidão e, desastrada como de costume, sem querer empurrei a xícara. Voltou antes que eu terminasse de apontar a mesa ao lado, sorriu como se agradecesse certa de que deixara pra trás alguma coisa. Derreteu por trás do vidro turvo quando a porta se fechou. Tentei limpar a calça pintada de outra cor, destoando meus tons já sem graça. Logo veio o sol, de repente, e pude retomar meu caminho guardando o jeito tragicômico da moça no bolso da calça manchada, pra nos reencontrarmos por acaso num passado plastificado.

2 comentários:

La Moranga disse...

Já achei tanta coisa no bolso, nem te conto. As últimas coisas que encontrei doeram no coração e arrancaram de lá da memória dias melhores.

La Moranga disse...

Agora vc vai poder me visitar! Mas, ssshhhhhhh!