sábado, 30 de outubro de 2010

Sujeitos:.

Meus melhores desconhecidos andam por aí. Eles estão à solta, sentindo nada, só a chuva que continua caindo, enquanto eles caminham encharcados de nada. Meus melhores desconhecidos não olham nos olhos, não acenam ou dizem olá, mas sempre há um reflexo nos vidros de uma vitrine ou janela, a colher de chá mostrando o que não se sabe bem quem é.

Tenho melhores estranhos também. Na verdade não os tenho, não creio em pertencer, então apenas sei, até por onde andam vez em quando, mas evito saber. Meus melhores estranhos, ou melhor, os estranhos a mim são cativantes, mas não o suficiente para uma aproximação.
São os que sentem a chuva, estendem as mãos tentando contê-la e assistem o tempo todo, o temporal, escorrer entre os dedos. São dos que se sente saudade, mas não se quer, então a saudade também escorre pelo temporal. Eles estão do lado de fora e ao sair, apesar dos conselhos a não conversar com estranhos, teimo em olhar com estranheza de volta, já os conheço então.

sábado, 16 de outubro de 2010

Correnteza:.

Eu?

Eu... Nada.

Só morrer no mar.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Capaz:.

Espere e não respire

até o momento em que eu comente
a ansiedade que não passa
que se passa por contente,
e passa rente, por pirraça.

Espere ou me inspire.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Monólogo:.


Para ler ao som de Coldplay - Fix You.

Na primeira vez em que eu te perdi, senti o céu rasgando e roubando a luz e tudo o que estava guardado dentro de mim. Não o bastante, levou o que eu tinha sob os pés enquanto todos continuaram caminhando da mesma forma.
Esse mesmo céu fez da minha luz algumas lâmpadas aquela noite, mas por ter te perdido já era tão pouca a luz que as lâmpadas só iluminavam como as luzes de natal, distantes como estrelas no escuro. Ao invés de contá-las eu tentei enumerar quantas vezes naquele dia silencioso eu havia dito que te amava, por causa da vontade estranha que tive de dizer várias vezes como se você precisasse ter certeza, como se eu estivesse prestes a nunca mais poder te dizer isso. Eu perdi as contas tentando enumerar desde o primeiro eu-amo-você no café da manhã, quando você riu sem entender por quê eu não dizia só bom-dia como sempre e logo disse eu-também-filha.
As luzes não duraram muito tempo então o dia teve que amanhecer, e vi que ainda havia chão onde os outros pisavam e eu também conseguia caminhar, só estava embaçado, o mar que fiz por onde andei sem enxergar muito bem devido aos olhos inchados.

Eu andei o dia inteiro sem saber se tinha te perdido ou se era mais uma ilusão do dia anterior que havia feito par com o seguinte. Foi então que anoiteceu e me levaram de volta àquela casa confusa com as nossas coisas, mas completamente vazia de mim e de você. As roupas ainda estavam no varal, tão secas e ásperas quanto o enjôo que senti quando enxerguei o chão distante e a vertigem que causava. Ali eu fui retomando o passo onde havia varrido algumas semanas seguintes, mas não consegui contá-las, também não consegui contar a ninguém que tinha te perdido então fiquei em silêncio dentro do silêncio da casa até conseguir dormir e sonhei que você estava bem, em um lugar desconhecido. Seu rosto não estava mais cansado e a cada sorriso o lugar se iluminava. Dali soube que a perda era só minha, talvez você precisasse sorrir pra outras pessoas um dia, apesar de eu achar que seu sorriso era sempre pra mim.
Nas seguintes vezes em que eu te perdi, as roupas no varal também perderam a identidade, o perfume fugiu pela janela e eu não tive coragem de abrir o vidrinho pra te lembrar. Tudo era mais delicado, até a dor de ter um céu costurado e a necessidade de ficar sob o sol pra espantar a frieza que se alojou por uns dias no meu sangue.

Consegui contar a alguém o que acontecera, depois a outro alguém e outro até que se transformasse em história, uma fatalidade de um personagem em terceira pessoa, embora eu continue te perdendo de vista todos os dias, cada dia um pouco mais. Quando procuro, te encontro num álbum, sempre comigo sorrindo ao lado mesmo nas fotos que já estão desaparecendo no tempo. Eu me encontro em você e dou continuidade à história que construímos desde sempre nas nossas conversas que duravam horas e horas, dessa vez sem o interlocutor, meu personagem principal.

sábado, 9 de outubro de 2010

Chuva:.

O silêncio interrompido bate à porta com o que eu já esqueci de sentir.
Os pés quebrando uma folha seca, o café esfriando, a última gota. Nossas plantas nascendo, morrendo, nascendo. Não era eu quem cuidava das plantas, uma ou outra recebiam meus cuidados e se recuperavam, não muito rápido, às vezes não por muito tempo, mas era necessario pisar em uma das folhas secas na sala para percebê-las.

Como em toda distração a vida passa na surdina, os cuidados se atravessam, amores nascem, morrem, nascem e ficam. Quebramos alguns vínculos pela falta, e o que sucede a falta é o sim e o não da certeza de ter existido dedicação e cuidado, de toda sinceridade amenizando as dúvidas.

A cada silêncio interrompido tenho mais e mais certeza de que a quebra de qualquer parede é feita através do que permanece concreto, tomado de sinceridade. Deixando que os ventos amenizem. Sentir a simplicidade e permanecer é condicional onde não se pode recolher os cacos de vida, de vidro.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

1.046.527',78"

Existe uma hora em que tudo se percebe. Não tudo, o suficiente.

Contudo os dias se distanciam entre esse momento de percepção os outros em que nos encontramos, se bem que... Nem nos encontramos mais. Nem nós, nem o acaso, nada nem ninguém nos faz coincidir numa esquina num dia de chuva, na papelaria, onde menos se espera. Não tenho sequer notícias, então repouso. De repente um amigo supõe que eu deva saber e me conta que te viu por aí chamando um táxi saindo de um bar cantando a própria ebriedade e tropeçando feliz no próprio erro. Talvez seja inconsciente ou algo parecido. E nós, nós nos parecíamos um pouco. Era pouco o que parecíamos em essência, mas costumavam me perguntar qual era nosso grau de parentesco. Eu ria e até acreditei, mas era pouco e logo a crença se transformou em lucidez.

Eu ri novamente um riso torto, igual ao que te vi sorrindo pra mim naqueles últimos tempos em que conversamos sem ter muito o que dizer. Eu não bebo e mesmo assim tropeço; acabei acordando em um dia em que nós ainda acreditávamos, ou eu acreditava que você também, mas era pouco, tão pouco que eu me esqueci de como funciona essa coisa de acreditar.